quinta-feira, 27 de setembro de 2018

O diário de Mary Adams

O diário de Mary Adams inicia-se assim:

"Os homens tem admiração e nojo de mim. Nojo à ponto de me tirarem vendada da cama às 3hs45 da manhã para me fazer contar-lhes segredos admiráveis, para me tornar alguém muito superior diante deles. Então, eles me reduzem à minha realidade sórdida, fazem o que sabem fazer de melhor, com muita doçura e gentileza, e me devolvem à minha cama fria no meio da noite. Tudo para que não tenham que admitir à mim mesma que já estiveram intimamente comigo, e assim evitar qualquer contato, conversa ou amizade."

Prostituição é que nem as drogas: seja você o aliciador ou o
aliciado, precisa saber dizer "não".

Mas é necessário distinguir prostituição de amizade. No
entanto, algumas amizades dividem drogas. E sempre que há drogas e sexo, isso caracteriza prostituição. Assim, para
que uma amizade seja colorida de verdade, não pode haver
drogas envolvida.

Fiz uma visita ontem. Levei uma mensagem. Acho que no lar
despontava uma cor amarela. E naquele quase beijo, o afago às costas, coisas que todos precisam, olhando para trás e vendo-se como poderia ser - em todos os sentidos.

As coisas que eu tentava explicar, meus dramas e grilos,
cada uma das máscaras caindo, meus olhos de vidro removidos, minha pele derretendo. Quando foi que obtive essa aparência de verme?

"É isso que quero lhe explicar" - ele disse - "E eu gosto de
você tanto o quanto"

Roubei dois óvulos gigantescos de meus ovários prenhos, e
pûs meu cérebro no lugar, com esses olhos de jabuticaba. As orelhas despontaram novamente; a boca em um biquinho disse "Oui!"

Então ele me puxou pelo pulso e se insinuou de verdade,
falando que havia mais coisas que deveria me dizer. Pediu
que eu não usasse mais saia pois havia um parasita de 1m40cm se embolando por dentre as pernas das meninas da cidade. Então pediu para ver um negócio.

Eu juro que não me envolvi. Nem sequer deixei o negócio ser
revelado naquele momento.

Por isso ele tocou meu braço com uma mão e a minha face com a outra palma e a cicatriz se mostrou. Ele falou: "Achei".

Fez uma escadinha com os dedos da mão entrelaçados, e me ajudou a olhar no espelho, no alto da parede. A face de rosto mastigado pelo cão.

Eu lhe contei de quando me tiraram do meu lar provisório na
infância, onde resido atualmente. E me deixaram dormindo em uma garagem com um prato de carne moída no chão e um cão raivoso.

Ele disse que não entendia como ambas as histórias
sobreviveram então, e eu lhe expliquei que no lar provisório
somos crianças diferentes daquelas às quais nascemos, para preservar a própria identidade e as famílias originais. As histórias eram sempre preservadas para que a própria pessoa pudesse rastrear o seu passado e se orientar. Mas de acordo com a Unicef, que prestigia a possibilidade da recuperação à essas crianças, eu tenho o direito e o dever de sempre estar com minha identidade original. E por isso ser um dever para mim, que teria o direito de optar por estar permanentemente com uma identidade mais favorável, por ter sido exposta à outra identidade devido ao abuso, é impreterivelmente o dever de TODA a sociedade voltar à sua ideologia tal como registrada no Instituto de Identificação do nosso país ao fim de cada dia.

E também:

Devido às empresas de detetive/extra/figurantes/promoters serem importantes para o trabalho da Unicef (vide:https://tarafatosefilosofia.blogspot.com/2018/09/repasse-e-cargos-de-confianca.html ), possibilitando que as crianças e vítimas de retorno à vida pós sensação de óbito façam utilização desta ferramenta, é necessário legislar e fiscalizar quantas identidades avulsas devem circular por dia na cidade, voltando cada qual à seu lar de ideologia fixa e anônima.

Ficou faltando o abraço. Mas como não posso mais voltar lá porque tenho medo de outra máscara cair, talvez ainda haja um Big Mac e um Cine Sesc esperando por nós, just around the corner.....

Nenhum comentário:

Postar um comentário